Bruna Agra Tessuto
“O pior analfabeto é o analfabeto político”. A frase de Bertolt Brecht é a chave para o início do
espetáculo Homem de Lugar Nenhum, dirigido por Eduardo Kraemer e protagonizado por Zé Adão
Barbosa e Renato Del Campão. Na interpretação da frase, o recado: o espetáculo deverá ser não assistido,
mas lido. E decifrado.
Em uma lógica recheada de fragmentos e caos, por vezes até em excesso, o espectador é
colocado diante de um espelho e se depara com a própria vida. Na tela que separa o palco e a plateia,
uma barreira. O desafio de ler o espetáculo se torna maior. Mas a mensagem ainda está ali para aquele
que insiste na leitura. Atrás do si
mbólico muro e dentro de um universo acelerado e desorganizado, existe um juiz que ri quando um profissional afirma que o seu ofício é escrever poesias. Existe um garoto que
apanha por querer usar vestido. Existe um cachorro que esbraveja, ameaça.
Enquanto parte do público vai juntando e estabelecendo sentido entre as cenas, uma máscara
de Donald Trump e uma bandeira LGBTQ+ surgem no palco. O espectador que estava lendo o espetáculo
não precisava destes elementos, já que eles estavam no subtexto. Parece uma tentativa de escancarar a mensagem para os considerados analfabetos políticos. Tudo explícito, gráfico, sem meios-tons. Seria isso
um sintoma dos nossos tempos?
Em contraste com os primeiros 50 minutos de caos, a cena final. Com uma forte luz ao fundo do
palco, temos, enfim, a sensação de fim de guerra. Ou, quem sabe, de fim de eleições. Fazendo uso de um
trecho de Esperando Godot, de Samuel Beckett, existe a espera, a esperança. Atingiremos nós, leitores, o
equilíbrio quando o juiz entender a poesia,
quando o garoto vestir o que quiser e quando o cachorro se domesticar?