A Lua já não é mais aquela

Gilmar Caldas Peres

Nota: Este conta é uma pequena homenagem ao aniversário de cinqüenta anos do homem ter chegado à Lua. Os versos finais são uma canção perdida do meu falecido tio Daniel. São os únicos que me lembro de um belo samba.


- Extra! Extra! O homem pisou na Lua!

O jornaleiro gritava alto na esquina com um exemplar na mão, exibindo a manchete sobre uma das maiores façanhas da humanidade. Finalmente havíamos chegado à Lua. O assunto estava em todas as rodas de conversas e noticiários. O evento não era apenas histórico, mas uma prova de que a tecnologia poderia chegar a padrões inimagináveis. Até pouco tempo, pensávamos que a terra era plana e que éramos o centro do universo. Agora, damo-nos conta do quão insignificantes somos nesta imensidão. Mas qual a vantagem de ir à Lua? Com tanta coisa a resolver na terra, para que desperdiçar tanto dinheiro? Ele se indagava.

Ponderou que a humanidade sempre precisou ser desafiada para evoluir. Nos primórdios, foi o domínio do fogo. Depois, deixamos de ser nômades e passamos a planejar e manipular a agricultura. A escrita foi outro avanço fantástico e assim sucessivamente. Até chegarmos às Américas e termos a revolução industrial. Avanços gigantescos com crescimento tecnológico impressionante, oportunizando aumento na expectativa de vida, mais conforto e diversos outros benefícios. Porém, essas questões demoram muito para chegar até a pessoa comum e também deixam um rastro de coisas ruins como a poluição e as disputas por poder. Valeria à pena tanto esforço e investimento?

Foi para casa com um exemplar, lendo cada letra do jornal sobre a grande novidade. Decorando as garrafais, devorando as miúdas e decifrando as entrelinhas. Gastou os últimos tostões para se atualizar. Afinal, era o assunto dominante do momento. Grande bobagem, pensava ele. Gastaram uma fortuna e talvez nem fosse verdade. Era bem provável que os americanos tinham inventado tudo para impressionar o mundo e levar alguma vantagem na guerra fria contra a União Soviética e os países atrás da cortina de ferro.

Estarrado no sofá, refletiu sobre o assunto e esqueceu toda a questão tecnológica, econômica e política. Havia outra coisa que o incomodava ainda mais: a poesia. A Lua, tão citada em prosas e versos, principal testemunha dos amantes, inspiradora de artistas importantes ao longo da história, inclusive pelos mistérios sobrenaturais, fora conquistada por cientistas. Impossível não se decepcionar com isso. Como se roubassem doces de uma criança ou esmolas de um mendigo. A típica coisa que simplesmente não se faz. Por que destruir os sonhos das pessoas? Nada pior, nem mais cruel.

Conhecia a importância dela na vida de todos e não apenas pela visão romântica. O satélite influi diretamente no comportamento da terra que provavelmente seria apenas mais uma rocha a orbitar o Sol sem ele. Mas daí a colocar os malditos e imundos pés humanos lá, era outra coisa. Como as pessoas voltariam a olhar para lua cheia sem lembrar que alguém a maculou? Inclusive, deixando lixos tecnológicos para trás. Era como a perda da virgindade ou a contaminação de um alimento saboroso, ou seja, jamais seria a mesma coisa. Imaginou se os comunistas soviéticos fizessem o mesmo e estavam muito perto. Pensou até numa guerra nuclear onde as duas superpotências jogariam bombas nela ou mandariam exércitos de astronautas se digladiarem. Provavelmente a destruiriam logo, logo.

- Um salto gigantesco para a humanidade. – Sussurrou ironicamente – Só faltam agora brincarem de roda com os marcianos.

Continuou folhando o jornal, molhando os dedos na boca, para refletir mais tarde sobre aquela notícia. A guerra no Vietnã deixava milhares de mortos, ditaduras se espalhavam mundo a fora, desastres naturais, obituários, esportes. “Chega” gritou ele. Seus últimos trocados serviram para perder a fé na humanidade. Jogou o jornal num canto e tentou relaxar um pouco, esmagando a bagana de cigarro no cinzeiro. Em seguida, foi à cozinha, coou um café no velho coador de pano, encardido de tanto uso, passou manteiga num pão torrado para reaproveitá-lo do dia anterior e voltou para o sofá surrado de uma pensão humilde. Foi quando alguns versos vieram à cabeça. Pegou o violão encostado na parede, dedilhou acordes em sétima maior, virou o instrumento com o tampo para cima, servindo de apoio para rabiscar o início de uma canção em um caderno de brochuras:
“A Lua já não é mais aquela
A Lua já não é mais bela
A Lua já foi conquistada
Pelos astronautas americanos (...)”

 

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