O escritório vermelho

Bruna Agra Tessuto

Uma das funções do teatro, uma das lindas funções, é colocar o dedo na ferida do espectador. O solo Diário Secreto de uma Secretária Bilíngue, dirigido por Vinicius Piedade e Deborah Finocchiaro, fez isso comigo. Saí revirada do espetáculo.

Deborah, além de dirigir, encarna a secretária Marjori. Junto com um exímio trabalho de corpo e voz, existe uma caracterização bastante acertada, que distancia a atriz da personagem. Marjori aparece muito mais do que Deborah em cena. Quantos atores, realmente, conseguem fazer isso?

Através de um diário, onde a personagem escreve a sua ficção autobiográfica, nos deparamos com uma relação que acabou. Com um aborto forçado. Com mortes. E com finais de semana de solidão. A única aliança duradoura de Marjori é com o emprego. Uma união de 30 anos.

O diário, o telefone, a cadeira, os lápis, a caneca e até o figurino. Tudo o que Marjori utiliza no serviço é vermelho. Entendemos, por se tratar da cor da paixão, que estamos diante do que a secretária mais ama: o escritório. O que acontece, então, quando ela é obrigada a deixar esse lugar?

Chegamos no ponto do espetáculo: a dor do descarte. Da substituição. Da perda. Do não saber para onde ir. Na plateia, senti o impacto da catarse. Em parceria com a dor, acontece a negação. Até que, com o tempo, a gente aceita. Ou se conforma. Com todos seus objetos vermelhos em mãos, Marjori conclui que precisa recomeçar. Recomeçar encontrando um novo lugar para as suas paixões. E, de preferência, ouso dizer, escrevendo outra ficção autobiográfica.

 

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