Hoje amanheci velha

Geni Oliveira

Hoje amanheci velha

Hoje amanheci velha. Talvez por ter visto retratos da jovem que fui. Talvez por ter ouvido Oswaldo Montenegro cantando "A Lista". E pensado no que perdi, não conquistei, deixei escapulir por covardia ou timidez. Amigos vislumbrados, amores apenas sonhados. Maldita timidez. Ou seria incompetência emocional? Talvez eu tenha nascido com essa deficiência. Dificuldade em discernir o melhor para mim. Seduzida pela pessoa errada. Ótimo nome para um filme. Mesmo das pedras brotam flores fulgurantes. E meus filhos radiantes nasceram desse amor. Sim, eu amei e me prendi a esse amor com unhas e dentes. Perdi. Ou ganhei? Não sei.
Hoje amanheci velha e cansada. Posso evitar os espelhos, preferir os menos iluminados, mas não posso evitar a constatação da pele flácida, ressecada, as pálpebras caídas. E, de repente, me deparar com uma foto sem retoques, com a barriga dividida em várias, esparramando-se despudorada sem o meu consentimento mostrou-me a implacabilidade do tempo. A lembrança que guardo de mim é mais condescendente. Nela, meus olhos brilham, meus cabelos são sedosos e iluminados, minha pele é lisa, sem manchas e minha barriga é aceitável.
Hoje amanheci velha. Há uma lei que não se revoga. Não adianta abaixo-assinado, greve de fome, passeata. Fui atingida. A Lei da Gravidade venceu. Cumpra-se!

Geni Oliveira

(Dez/2009)

 

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