A casa verde

Maria Avelina Fuhro Gastal

Passadas três semanas daquele dia dez de junho, pela primeira vez, as janelas da casa verde foram abertas. Não fosse ela situada em uma rua residencial, arborizada, sem saída, em uma pequena cidadezinha do interior, talvez o fato não tivesse chamado a atenção de ninguém. Mas ali todos se conheciam há, pelo menos, duas décadas.

Quando as janelas foram abertas, os passantes pararam. Os acompanhados conversaram entre si, os sozinhos buscaram com os olhos alguém para comentar o que viam. Logo um grupo de oito pessoas trocava impressões sem tirar os olhos da casa verde na calçada em frente. Desde aquele dia dez, ninguém caminhava na calçada daquela casa.

Sem uso por tanto tempo e sem o cuidado dos moradores da casa verde, aquele trecho estava repleto de folhas secas, caídas da mesma árvore, que ainda suportava o galho despencado, preso a ela apenas pela parte inferior. A corda fora retirada junto com o corpo.

Nos primeiros dias após aquela manhã, os vizinhos entravam e saíam da casa verde. Seguiam pela rua e se esgueiravam naquele trecho, caminhando rente à cerca e entrando pelo portão, sem aproximarem-se da árvore em frente à casa. Aos poucos o movimento foi rareando. Da calçada em frente percebiam quando a luz do alpendre era acesa ao anoitecer e conferiam que tinha sido apagada quando passavam pela manhã. Mas nunca mais tinham visto Dona Arminda.

As janelas abertas ainda eram o comentário de um grupo variável de vizinhos quando a porta da casa se abriu. Com uma vassoura, sacos de lixo e uma pá, Dona Arminda cruzou a cerca e acenou para os vizinhos. Em seguida pôs-se a varrer as folhas que eram recolhidas e amontoadas nos sacos. Alguns acenaram de volta e logo retomaram seus caminhos. Ninguém cruzou a rua para falar com ela.

Mesmo limpa, todos evitavam aquela calçada. A cada manhã viam Dona Arminda varrendo, podando as plantas do jardim, limpando as janelas. Acenavam, sorriam e prosseguiam.

Até nas manhãs mais frias ou chuvosas, Dona Arminda varria, podava, limpava. Só permanecia o galho despencado.

Depois de um curto tempo, ninguém mais parava na frente da casa para olhar ou comentar. Pararam de novo no vigésimo dia, quando, depois de cumprir a rotina, Dona Arminda colocou uma cadeira na varanda, trouxe uma cesta de lãs, sentou-se e passou o dia tricotando uma manta vermelha. Recolheu tudo à noite, quando fechou a casa e acendeu a luz da varanda. E assim foi nos dias seguintes. Varreu, podou, limpou, sentou, tricotou.

O frio tornava-se mais intenso. Dona Maria e Dona Guilhermina atravessaram a rua e foram falar com Dona Arminda.

─ Bom dia, Dona Arminda. Como a senhora está? Está frio para ficar aqui fora. Por que não tricota dentro de casa?

─ Ah, Dona Maria, estou esperando o Daniel.

─ O Daniel?

─ Sim. Meu filho. Sonhei com ele há alguns dias me dizendo que estava para chegar. No sonho não me disse quando. Estou com tantas saudades dele. Vou esperar por aqui, tricotando esta manta para ele.

As duas mulheres se olharam, olharam para o galho despencado e para Dona Arminda.

— Mas... está tão frio. Ele pode demorar. E...

Dona Guilhermina olhou para Dona Maria e para o galho. Puxou a vizinha pelo braço e Dona Maria calou-se.

─ Não vai demorar, não. Ele me disse que chega logo. Quero ter a manta pronta.

As vizinhas não disseram mais nada. Saíram da varanda, fizeram o sinal da cruz ao passar pela árvore, atravessaram a rua e ficaram conversando baixinho no outro lado da calçada em frente à casa.

O frio aumentava e Dona Arminda continuava a tricotar e esperar.

O inverno esvaziava a rua à noite. Em uma manhã do final de julho, os vizinhos avistaram, na frente da casa verde, uma manta vermelha cobrindo Dona Arminda, abraçada ao galho que havia despencado de vez.

 

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