Ainda Dostoiévski?

Marta Leiria

Só a esta altura da vida, na juventude da velhice, me dispus a perscrutar a natureza humana pelas mãos de Fiódor Dostoiévski (1821-1881), a quem “nada escapa”, segundo Virginia Woolf. Noutra fase da juventude, havia tentado ler Crime e Castigo, mas capitulei, talvez pela pressa de viver. Dostoiévski exige paciência, entrega, maturidade. E disposição para estar face a face com as tragédias humanas sem a promessa de redenção, ao contrário de meus romances históricos prediletos.

Fiz bem em começar por "Noites Brancas", história integrante do ciclo de obras que o autor criou após amargar forte desilusão amorosa, a última escrita antes da prisão e do exílio na Sibéria. Passei pela novela "O sonho de um homem ridículo", cuja leitura deveria ser obrigatória aos que ainda acreditam que só os outros possuem sentimentos vis, quanta ilusão! E só então aceitei o desafio que propus a mim mesma de encarar "Os irmãos Karamázov", último romance de Dostoiévski. Decidi por esse livro ao saber que influenciou pensadores como Nietzsche e Freud – que o considerava o maior romance já escrito.

Não sofri em vão ao testemunhar as relações dos três filhos com o devasso Fiódor Karamázov. Inesquecíveis os irmãos Dmitri, puro orgulho e paixão, Ivan, intelectual desesperado, e Aliócha, “puro” e místico. Impossível não se identificar com os dilemas desses personagens literários que são como gente de verdade, em narrativa que agrada a fãs dos melhores policiais e a atormentados por grandes questões filosóficas. Dignos de nota os embates entre o promotor e o defensor no julgamento, pelo tribunal do júri, de Dmitri, acusado de parricídio.

A próxima leitura? "O idiota". Ganhei dos três filhos no Dia das Mães, que têm acompanhado minha atual obsessão pelo escritor russo. E, também, segundo eles, porque estou sempre falando das idiotices contemporâneas – mas esta é outra história. Dia após dia, mais e mais, me convenço que restam poucas certezas. Outra delas: Dostoiévski ontem, hoje, sempre.

 

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