Homens da rua

Marta Helena Xavier

Em uma esquina próxima da minha rua tem uma agência do Banrisul. Quando saio para caminhar passo por ali. Junto à porta do banco vejo sempre um velho senhor. Instalado em uma cadeira de praia estende a mão para quem passa e aos que entram ou saem do banco. Expulsa do frágil corpo uma voz sumida - pede qualquer moeda ou qualquer coisa. Faz daquele pequeno espaço o seu escritório aberto ao público e sem secretária. Fica o dia despachando suas carências e desejos.
Não segue o horário bancário. Chega antes e sai depois. No final da tarde recolhe a cadeira e dá por encerrado o expediente. Fecha o seu caixa e vai embora seguir a vida. Sabe, o próximo inquilino está por chegar. É educado e discreto. Asseado na aparência e nos atos. Também não cobra taxas nem juros.
A noite traz a reboque outras criaturas, aquelas carentes de teto e chão. Os que carregam seus poucos trapos e um pedaço de colchão velho em carrinhos de super mercado. Trazem na pele colada aos ossos a escuridão dos asseios perdidos – sempre traídos pela indiscrição dos cheiros exalados. Geralmente estão acompanhados de algum cão incrivelmente bem cuidado, amigo fiel para toda hora. A trupe se completa com uma garrafa da boa e velha pinga. Passageiros da noite no trem das ruas.
Numa manhã saí mais cedo para caminhar. Dia quente e abafado - melhor mexer o corpo enquanto o sol permite. Foi quando pude acompanhar a troca de inquilinos entre os turnos. Ali estavam todos, quem perdeu a hora e acordava tarde, um cachorro sacudindo o rabo, uma garrafa vazia esquecida junto à parede. Em pé, aflito, o velho. Sua cadeira de praia ainda fechada disputava a parede com a garrafa.
O homem ia juntando e dobrando o que ao outro pertencia. Gesticulava sua impaciência e desconforto ao encontrar o seu espaço nas mãos de terceiros. O da hora perdida mal abria os olhos. Mantinha o corpo no torpor da preguiça, alheio à aflição do novo dono do espaço.
Perdi o desenrolar da trama nas passadas do meu caminhar. Quando retornei a vida já tinha recuperado o habitual compasso. O banco, o velho e sua cadeira, cada um no seu lugar. Então, sem muito pensar, retirei algumas moedas do bolso e entreguei ao homem. Nunca faço isso, mas de alguma forma me identifiquei com o seu estresse diante da quebra de sua rotina.



 

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