Novo mundo

Marta Helena Xavier

O mundo está em pausa. Lá fora ficaram os sons do vento e dos pássaros. No mais, são vozes iguais a de todos - ansiosas e de poucos risos. Carregam criaturas confusas em seus fazeres limitados aos passos percorridos nos escassos metros quadrados de suas casas.
Acordamos e damos de cara com esta vida de outras regras. Não podemos tocar. É preciso se distanciar, limpar, lavar, torcer e lavar mais uma vez. Encontramos um vilão em nosso próprio corpo - nossas mãos. Elas se agigantaram no piso de nossa razão e viraram mensageiras do que nos assombra lá fora. Então lavamos também por todos os lados, cada dedo, qualquer canto de unha, e quantas vezes forem necessárias, até ter a prova de que estão livres de qualquer ameaça.
Neste novo mundo de mãos protagonistas descobrimos coadjuvantes - o modo como passamos a nos comunicar. À noite, temos um encontro marcado com o que tem lá fora. Através de nossas janelas, nas batidas de todas as panelas, um coro afinado de vozes grita seus medos. Queremos que nossa angústia saia ao encontro da esperança que perdemos.
Nada de abraços, nem contidos ou inquietos, nem longos ou insinuantes. Nada de beijos, nem rápidos ou carinhosos, nem profundos ou ardentes. É para o corpo falar de longe. É a voz que se impõe. E os gestos ficam com pena da voz, temem que ela não dê conta de expressar sozinha tão complicada teia.
Neste mundo de coisas novas o tempo é rei. Impõe-se pela incerteza, se mostra lento e caprichoso. Nos diz pelo que vale a pena chorar. Nos cala diante das sobras pelas quais tanto nos debatemos. O tempo, feito pai zeloso, nos aninha em seu colo para nos contar uma história. Quer nos falar sobre nossa mãe.


 

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