Estela

Denise Accurso



Segunda-feira.
Estela ainda não sabia o que deveria fazer exatamente em seu novo emprego. Estava nervosa, retornar ao mercado de trabalho depois de tantos anos não estava sendo fácil. Sentia-se velha, desatualizada, desajeitada. Estava insegura até com a roupa que escolhera, tentara ser discreta e profissional e, como resultado, sentia-se sem graça. Era a única de terninho, todos usavam jeans, saias, vestidos coloridos. Já não bastava ser mais velha, ainda por cima estava vestida como uma velha!
Estava sentada diante do computador, aguardando a colega que lhe daria um login e acesso ao sistema da empresa. Não sabia o que fazer para esconder seu nervosismo.
– Café?
Olhou acima da divisória e viu um lindo rosto sorridente, com dois copos grandes e fumegantes. O dono do sorriso, um cara bonito com idade para ser seu filho, estendeu-lhe um deles. Estela pegou. Sentiu um alívio, agora tinha o que fazer com as mãos. Tomou um gole grande de café e sentiu a bebida derreter seu esôfago.
Logo o sorriso do rapaz converteu-se numa expressão de lástima.
– Você se queimou? Que pergunta, é claro que se queimou! Deixa eu pegar uma água.
Lágrimas saíam dos olhos de Estela de forma incontrolável, estragando sua maquiagem. Chegou a água. Ela bebeu, obtendo assim algum alívio. O rapaz parecia sem graça com o ocorrido.
– Mil desculpas. Eu devia ter avisado que estava quente.
– E eu devia ter tomado o café como uma pessoa normal. É que estou tão nervosa… É meu primeiro emprego depois de 15 anos de dona de casa. Estou meio apavorada com tudo. Até a roupa eu errei!
A tensão vai se desfazendo. O rapaz se apresenta:
– Meu nome é Bruno e vou te acompanhar nos três primeiros dias. A primeira coisa é criar um login e uma senha pra podermos começar.
Bruno é simpático e bem-humorado, conhecia bastante do serviço e gostava de ensinar. O dia passou voando e Estela sentiu pena quando chegou a hora de ir embora.

Terça-feira.
No dia seguinte, usou uma roupa “normal”. Tinha comprado o terninho pensando em convertê-lo numa espécie de uniforme de trabalho, mas percebeu que isso não era necessário. As pessoas vestiam-se de acordo com seus gostos pessoais, não havia nenhuma exigência de formalidade.
Quando chegou, Bruno a elogiou:
– Como você está bonita e elegante com esse vestido, Estela!
Ela sempre gostara do estilo hippie-chique. O elogio dele a aqueceu por dentro, de um jeito agradável, diferente do café da véspera. Aliás, ele já tinha levado dois cafés e estendeu um para ela:
– Pode tomar tranquila, está aqui esfriando há cinco minutos!
Riem juntos. Começam a trabalhar num clima de camaradagem e alegria.
Esse dia também passou voando para Estela.

Quarta-feira.
Chegou o último dia em que Bruno iria acompanhá-la. A partir de quinta, Estela teria que se virar sozinha. Ela sentia um aperto no peito, não sabia bem por quê. O serviço não era complicado, e Bruno era um ótimo professor, ela estava em condições de trabalhar sozinha. Não era essa a razão que fazia uma névoa de tristeza envolvê-la, ao pensar em ficar sem ele na sua divisória no dia seguinte.
Enquanto se arrumava, percebeu que o fazia antecipando a recepção de Bruno, seu sorriso, seu olhar. Admitiu, enfim, que estava atraída por ele. Um certo medo do ridículo a perturbou. Decidiu que não haveria problemas desde que não deixasse aquilo transparecer. Estavam em um ambiente de trabalho, mal conhecia o moço e ainda havia a questão da idade. Mesmo assim, caprichou no visual. Sempre fora vaidosa, mas agora sentia-se mais motivada.
Quando chegou, a acolhida foi muito melhor do que tinha imaginado. Lá estava Bruno, com os dois cafés. Ele a olhou de cima a baixo e deu um assobio!
– Uau. Como você está linda!
Ela agradeceu, pegando o café que ele lhe estendia. “posso perfeitamente ficar feliz com esse elogio, desde que saiba manter os limites”, pensou.
Esse dia também passou voando.

Quinta-feira.
Estela chegou sabendo que será seu primeiro dia trabalhando sozinha. No entanto, lá está ele, na sua divisória, com o sorriso e o café que ela tanto aprecia.
– Só porque não sou mais teu professor, não significa que não vou te oferecer um café!
Estela ri.
– Estava um pouco triste em perder essa recepção…
– Não vai perder. Pra mim é uma forma maravilhosa de começar o dia.
Essa frase fez o sorriso de Estela permanecer ao longo do dia.

Sexta-feira.
Estela chega. Hoje está de jeans e uma camisa justa. O colega a recebe com outro assobio.
– Para, Bruno. Os outros vão ouvir. Eu fico com vergonha.
Tomam o café.
– Como foi ontem trabalhar sozinha?
– Fiquei em dúvida algumas vezes, mas consegui resolver.
– Sabe que se precisar de alguma coisa é só me chamar.
– Obrigada, Bruno. Espero não esquecer tudo que aprendi no fim de semana!
Riem.
Mas Estela está um pouco triste. Sábado não terá a agradável acolhida de Bruno. Não verá o colega por dois longos dias.
O dia de trabalho está chegando ao fim. Num impulso, Estela vai até ele.
– Estela! Algum problema? Alguma dúvida que eu possa resolver?
– Não, Bruno, só vim aqui te desejar um ótimo fim de semana e dizer que estou até um pouco triste. Amanhã não vou ter ninguém pra me trazer café.
Bruno abre seu melhor sorriso. Levanta e se aproxima da colega. Diz em seu ouvido:
– Estela… vem comigo e amanhã te prometo um café da manhã melhor que o de um hotel cinco estrelas!
Estela foi.

 

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