A vizinha

Marta Helena Xavier

Nossas janelas se encontram em perfeito alinhamento. Com o tempo, adquiri o hábito de observar minha vizinha. Ela mora sozinha, assim como eu. Nossos dias começam mais ou menos na mesma hora, abrimos as janelas muitas vezes no mesmo momento. Os abanos que trocamos nestas ocasiões carregam sorrisos discretos.
Ela toma o café da manhã sentada em frente à televisão. Assiste ao programa “Mais Você” todos os dias. Tem com ela papel e caneta – acho que anota as receitas da Ana Maria. Passa muito tempo na cozinha entre o fogão e a batedeira, potes de farinha e outros ingredientes. Invejo isso nela, mal sei fazer bem um omelete, me garanto mesmo só no café passado no pano.
Confesso que acumulo outras invejas em relação a minha vizinha. Ela escuta valsas dançando com uma vassoura. Tem uma leveza no corpo, os passos lembram um anjo levitando. Eu estou mais para a vassoura que ela carrega como seu par. Sempre me dei mal nas festas, pisava nos pés de todos que me convidavam para dançar. Tentei até fazer aulas - um horror, via a desesperança nos olhos do professor e acabei desistindo.
Minha vizinha gosta de plantas, e, pelo jeito, tem mão boa para lidar com elas. Sua varanda é a mais verde do prédio. Dedica um bom par de horas em volta de suas flores e folhagens. Já eu, depois de anos de tentativas frustrantes, me contento com meus três vasinhos de cactos – os únicos que se adaptam às poucas vezes que lembro que planta precisa de água.
De tudo que invejo nela, nada se compara com o buraco que se abre dentro de mim quando suas visitas chegam, um casal e duas crianças. Abraços, risadas e afagos. Sentam ao redor da mesa arrumada com uma toalha de renda branca, se fartando com bolos, geleias e tantos outros quitutes. Quando minha vizinha prepara a mesa da sala, sei que vão chegar. Puxo a cadeira e fico espiando pela janela.


 

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