A INVASÃO
Marta Leiria
A notícia da rebelião no Presídio Central naquele julho de 1994 deixou os porto-alegrenses em polvorosa. Os assaltantes mais temidos conseguiram fugir e estavam à solta. Só se falava no tal do Melara.
Naquela noite, tínhamos um jantar de apresentação, por um grande laboratório, de medicação nova. Muitos amigos nossos, médicos-psiquiatras, estariam presentes. Um colega do meu marido, permanentemente antevendo o pior dos cenários, estava com medo de sair na rua, lançando a suposição: – E se o Melara for para o Plaza São Rafael? Achamos graça da ideia, a que ponto pode chegar a paranoia! A noite gelada, somada à preguiça de me produzir carregando a barriga de cinco meses de gravidez, nos fez desistir de sair.
Ao acordar, a notícia improvável. Melara e seus comparsas se amotinaram, fizeram reféns e escaparam do Presídio Central de Porto Alegre. Invadiram, em um táxi, o saguão do hotel mais luxuoso da época, o Plaza São Rafael, no centro da Capital. Minha amiga Vera, que estava presente no evento, foi quem me contou sobre o pânico geral.
Os assaltantes tomaram conhecimento do evento ainda dentro do presídio, ao fazerem reféns da área psi, e rumaram com eles ao hotel, a polícia no encalço. O plano: fazer uma limpa nos convidados para arrecadar dinheiro, joias, carros. Ela me contou do desespero de todos quando o táxi invadiu o saguão do hotel rompendo as vidraças, os estilhaços voando para todos os lados, as pessoas tentando, em vão, se esconder embaixo das mesas. Ameaças a sangue frio e à mão armada. A polícia não tardaria a chegar.
Não sem uma pontada de culpa, e sem confessar à Vera, dei graças a Deus por não ter submetido minha barriga carregando o primeiro filho a essa noite de terror. Aquele que vaticinou a desgraça da invasão do hotel foi um dos que ficaram na mira dos revólveres dos assaltantes. Mulher de frases que sou, me vieram umas célebres à cabeça: nada é tão lamentável e nocivo como antecipar desgraças, de Sêneca, e Deus está nas coincidências, de Nelson Rodrigues.