Grace nasceu pra ser Dercy

Bruna Tessuto

Achei que tava em cima da hora, dez minutos faltavam para o espetáculo começar. Mas, assim que o Uber parou na frente do Theatro São Pedro, o alívio: a fila para entrar ainda estava ali na porta. "Demorou por questões de bastidores. Ainda vamos escrever um livro só contando sobre eles, Bruna", me falaram na saída.

Não passei pelo meu ritual de sentar cedo na plateia e ficar observando o público chegar, coisa que faço desde os tempos que cursava a faculdade de teatro. Sentei, então, aguardei uns minutinhos e começou. "Nasci pra ser Dercy", protagonizado por Grace Gianoukas.

Minha lembrança de Dercy Gonçalves é dela no sofá da Hebe fazendo todo mundo rir. Assistia com a minha vó. E eu tinha 15 anos quando as duas morreram, a Dercy e a vó. A diferença é que uma morreu com mais de 100 e a outra com 69. Até ali, Dercy era, para mim, a velhinha engraçada, que falava palavrão, mostrava a teta e que era piada no Orkut por não morrer nunca.

Foi só na faculdade que fui entender a sua importância, o quanto foi pioneira, o quanto abriu caminhos para as mulheres e para as mulheres que viriam a ser atrizes, incluindo eu. Afinal, quando começou, ser atriz era sinônimo de ser prostituta. Mulher não podia fazer nada de "diferente" que era chamada de puta. Abriu caminhos, peitou a ditadura, foi rainha do improviso no palco, arrastou multidões para o teatro e mandou muita gente à merda. Ao me deparar com tudo isso, virei fã pós-morte.

4 de agosto de 2023, no Theatro São Pedro, foi dia de aplaudir e muito Grace vivendo a icônica Dercy. É de rir até doer, e olha que sou bem difícil de rir em teatro e cinema. É de se emocionar também. Tem palavrão, tem uma teta de brinde no final, mas tem, principalmente, em cima do palco, uma mulher que era contra a morte. E que conseguiu ser eterna.

Voltando pra casa, chamei duas pessoas no Whats e falei: vocês precisam ir. Deu certo. Mandei o link e compraram os ingressos. Sendo possível, façam o mesmo. E lembrem:

"A melhor coisa da vida é mandar à merda. É eficaz e é de graça. Comer, dormir e cagar é ótimo também, mas nada como mandar à merda."

 

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