Pela voz das meretrizes

Bruna Tessuto

E se quem contasse a história fosse justamente quem a viveu? E se essa pessoa ganhasse voz para tal feito? Podemos, enquanto artistas, criar peles que não são nossas, narrativas que não são nossas. Podemos também, com isso, através da ficção, emocionar, tocar, fazer refletir. Mas é um fato: a porrada é sempre diferente quando os relatos são vindos de quem viveu a história. O ponto de vista olhando de fora é um, encarando de dentro é sempre outro. Foi isso que me fisgou a assistir "Meretrizes", protagonizado por Liane Venturella e dirigido por Camila Bauer, no Teatro Oficina Olga Reverbel, em Porto Alegre.

Através de uma pesquisa feita com profissionais do sexo, o espetáculo traz depoimentos reais de mulheres que vivem ou que viveram da profissão. A grande maioria interpretados por Liane, que impressiona pela versatilidade em compor corpos e vozes absurdamente diferentes entre si. Outras mulheres nos são apresentadas no telão, mostrando seus próprios rostos. Mulheres que caem fora do estereótipo que a sociedade nos faz engolir. Mulheres casadas, mulheres realizadas com o que fazem, mulheres que não desejam o mesmo para os filhos, mulheres que trabalham escondidas da família, mulheres que nos abrem as portas das dificuldades, das dores, das histórias e das belezas da profissão.

No meio do espetáculo, lembro de ter pensado: "ainda bem que encarei a chuva em pleno domingo e vim". Com a capacidade máxima do teatro atingida e com pessoas sentadas até mesmo no chão, concluí que se tratava daqueles trabalhos que te fazem abrir uma possibilidade de visão, o famoso "tirar a venda dos olhos". Usando o riso como aliado, senti o texto me pegando pela mão e me dizendo: "vem aqui que vou te mostrar o que tu ainda não viu".

Quando pensei já ter mergulhado bastante no universo e deduzi que o espetáculo se encerrava por ali, aconteceu o plus. Liane chamou ao palco duas das mulheres que deram seus depoimentos. Estavam na plateia. Alguém desconfiaria? É bom lembrar que prostituta não tem cara. Com o microfone na mão, em uma imagem que representa a possibilidade de se ter voz, passaram a responder perguntas e contar curiosidades. O que você perguntaria? Com o que iam contando, fui percebendo que eu nem teria conseguido formular determinadas perguntas por nunca ter pensado a respeito de certos fatores da vivência.

É de emocionar, de rir, de impressionar e de aplaudir de pé. É também de perceber que uma realidade diferente da que vivemos não está necessariamente distante. Uma prostituta pode estar sentada ao seu lado no transporte público ou ser sua colega na universidade. Pode também ser alguém da sua família. Isso te causa surpresa ou normalidade?

 

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