PIONEIRISMO FEMININO NO CENÁRIO NACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO

Marta Leiria

Há alguns anos, rememorando fatos de outrora com um primo querido que me inspirou a fazer concurso para o Ministério Público (ele era promotor de justiça e faleceu no final de 2021), veio a pergunta: "A tia era psicóloga, né?, sempre pronta para longas conversas e excelentes conselhos!" Falei que sim, que ela amava conversar, mas era formada em Filosofia, não em Psicologia.

Dia desses, a Luciana Barbosa, do Conselho Regional de Administração do RS, entrou em contato comigo perguntando se eu era filha da Juliana Leiria leal, me localizou na Internet pelo sobrenome. E me veio com a notícia: a minha mãe foi a primeira mulher no Brasil inteirinho a se registrar como profissional de Administração. Achei incrível aquilo e fui atrás de documentos e antigas fotografias para alcançar ao pessoal dos Conselhos Estadual e Federal de Administração.

Em meio às buscas, encontrei, para minha grande surpresa, algo que minha mãe nunca tinha mencionado: um certificado de conclusão de Curso de Extensão em Psicanálise. E tive um belo insight ao lembrar daquela conversa com o primo. Com o pessoal do CRA-RS, tive a feliz oportunidade de resgatar o significado da opção pela carreira à qual tanto se dedicou, e gravamos entrevista a ser levada ao Encontro Nacional dos Profissionais de Administração em Belo Horizonte.

Foi justo a minha mãe, nascida no longínquo ano de 1926 em São Francisco de Assis (falecida em 17/05/2019, um dia pós completar 94 anos), a detentora desse pioneirismo no cenário nacional. A Juliana era uma mulher de vanguarda, apaixonada pelas grandes questões filosóficas e por Literatura. Nos muitos livros de ficção, clássicos e contemporâneos, que ela leu desde ainda jovem, conheceu com profundidade as inúmeras facetas da família humana, e me influenciou a igualmente amar a Literatura. Escolheu estudar Filosofia na UFRGS. Como não pretendia ser professora, se mandou para o Rio de Janeiro e lá se especializou em Administração Pública pela FGV.

Outra paixão era dedicar-se à arte da conversação, como apreciava trocar ideias livremente com familiares, amigos, colegas de repartição! Acredito que a notável capacidade de ouvir atentamente as pessoas, de se colocar no lugar do outro, sem preconceitos de qualquer tipo, fez com que optasse pela carreira administrativa. É o profissional dessa área que conduz processos de recrutamento, desenvolvimento de pessoas, definição de planos de carreiras e outras atividades ligadas à gestão de pessoas. Funcionária Pública concursada, aposentou-se como Diretora Administrativa do DEPRC (antigo Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais), na área de Recursos Humanos.

Ela sempre dizia que o mais alto degrau que poderia atingir na carreira era o de Diretora Administrativa, afinal o cargo de Diretor-geral era reservado a engenheiros. Interessante é que a minha mãe não era de militâncias, de levantar bandeiras de qualquer tipo, mas fez o que quis da sua vida e era muito dedicada ao trabalho, valorizava demais a sua vida profissional. Estava sempre preocupada em fazer as coisas pelo caminho correto. Não foi à-toa que fez questão de se registrar no Conselho de Administração do Rio Grande do Sul.

Ver uma linda foto da minha Juliana projetada no telão do Teatro da Universidade de Caxias do Sul foi um momento inesquecível. Com imensa alegria e emoção subi ao palco para receber homenagem à Primeira Administradora registrada no Brasil, na data de 23 de agosto de 1968. Graças a ela, temos o Dia da Mulher Administradora. Feliz demais com a placa comemorativa e as orquídeas que recebi em reconhecimento à história da minha mãe. Acabei por improvisar uma breve fala, tentei expressar o tamanho do privilégio e do orgulho que sinto por ser filha da Juliana. Que belo exemplo, e quanta saudade ela deixou!

 

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