UM OUTRO RIO DE JANEIRO

Marta Leiria

O Antônio, filho que se encaminha para o sexto ano de Medicina, queria aproveitar a semana de férias neste dezembro no Rio. Ele, como eu, é fascinado pelo astral e as belezas cariocas. E conhece um Rio diferente do meu. Como esta que vos fala, também é fã do nosso imbatível churrasco (continua sendo meu prato preferido), mas ele tem descoberto muitos sabores orientais, então desbravamos juntos restôs desse tipo, alguns ele já conhecia. É andarilho como a mãe. Enquanto me dedico à literatura, ele está se aprimorando mais e mais na pintura de retratos em óleo sobre tela. Ah, também compartilhamos o gosto por musicais. Vou pinçar o que de melhor desvendamos em nossa curta aventura.

Um parêntese necessário: tenho viajado à beça. Estava com saudade dessa expressão de outrora, então aproveito para usá-la por aqui. E também aproveito para fazer uma pequena confissão pública. Com tantas viagens, entrei em uma "espiral de exceções". Explico: a Verbena, amiga que me apresentou a nutricionista Carol Borghesi, também aposentada e que vive pra lá e pra cá, me veio com essa pérola da espiral e eu disse que usaria em uma crônica. Então, por "dever de ofício", declino a fonte. A questão é que em viagens, fora da rotina de casa, é bem mais difícil fazer as famigeradas e necessárias compensações de jantares especiais (exceções) com refeições mais leves durante o dia. Por essa razão, tentando ser mais racional, aceitei, não sem alguma relutância, a sugestão do Tony de nos hospedarmos em um apartamento em Ipanema, ao invés de hotel com lauto café da manhã.

DIA 1. A hospedagem foi escolhida depois de exaustiva pesquisa: Nascimento Silva, em prédio na mesma rua onde morou Tom Jobim, imortalizando o logradouro no clássico da Bossa Nova, "Carta a Tom 74", falando da "Rua Nascimento Silva 107, você ensinando pra Elizete as canções de canção de amor demais". Melhor impossível para quem curte o bairro e gosta de fazer (quase) tudo a pé. Na medida para nós: dois quartos, dois banheiros, pequeno gabinete, splits, Wi-Fi, limpeza e decoração nota 10. Bom gosto daqueles, o da nossa anfitriã Virgínia. Até vista para o Cristo Redentor e cantinho para meditação, todas as crenças são bem-vindas pela Vie. Por lá, assistimos à nova temporada de "The Crown", que primor! Com tantos pontos positivos, virei fã do Airbnb. A quem interessar possa, vai o nome da hospedagem da Virgínia Martins: "Home Sweet Home".

Compramos o pão nosso de cada dia, de fermentação natural, em padaria do bairro. Frutas, geleia e queijo no mercadinho ali perto. Até o pó para passar café na máquina tinha na Sweet Home da Vie, além de filtro de água, incluindo a gelada. Café da manhã como o da rotina porto-alegrense ajudou a não botar o pé na jaca logo cedo. Providencial. No dia da chegada, passeio al mare pelas redondezas, e um pulinho na Livraria Travessa para comprar caderneta e fazer anotações sobre a viagem. Resisti à tentação de comprar livros, tenho extensa fila em casa aguardando leitura. "Zuckerman Acorrentado, três romances e um epílogo", de Philip Roth, hoje meu escritor favorito, levei na bagagem de mão (nem pensar no vetusto hábito de despachar malas).

O almoço foi no Amir, restaurante árabe que o Antônio já conhecia. Fica na Praça da Paz, em Copacabana, vale demais o caprichado menu executivo (dez opções). Fomos de shawarma. Para acompanhar, escolhi tabule e salada fatouche. Prometemos voltar e experimentar novas delícias libanesas. Excelente relação custo-benefício. Na primeira noite por lá, dica do Tony: Oya, em Ipanema, restaurante especializado em comida mediterrânea de primeira. Sempre que posso, opto por pratos com frutos do mar em restaurantes, mais leves do que os de carne vermelha. Escolhi o polvo com homus de grão de bico. Nesse dia de fazer (quase) tudo a pé, se foram 19,4km percorridos, incluindo andanças em aeroportos.

Dia 2. Confirmando-se a previsão de dia nublado logo no início da viagem, optamos por caminhar até o Jardim Botânico e deixar programas praianos para os dias regados a sol. Estávamos a poucos metros da Lagoa Rodrigo de Freitas, então seguimos para lá, em direção à Gávea, contornamos parte da Lagoa, e rumamos para o Jardim Botânico, em caminhada de 4,6km. Garrafinha d`água em punho (não descuido da hidratação), além de roupa própria para exercícios. Ficamos encantados com essa área de 143.98 ha, e mais de 8 mil espécies, incluindo vitórias-régias e imensa variedade de cactos, bromélias, além de esculturas. Até "Mesa do Imperador" encontramos por lá, com tampo de granito e pés de argamassa inaugurada no século XIX, onde D. Pedro I e D. Pedro II costumavam fazer refeições quando visitavam o jardim. Por falar em refeição, a nossa foi na colossal Confeitaria Colombo, no centro. Na sequência, foi a vez de apreciar a exposição "Ausências na história, a voz de artistas mulheres do Rio Grande do Sul", com curadoria de Ana Zavadil. Programaço sediado no belíssimo Centro Cultural dos Correios. O jantar foi no Ocyá do Leblon, recém-inaugurado. Eu já tinha ido no da Barra, Ilha Primeira. Pratos excepcionais de frutos do mar, peixe maturado e charcutaria do mar artesanal, além de drinks autorais dignos de nota, com destaque ao Pargueira.

Dia 3. Ah, nosso terceiro dia no Rio! Espetacular o passeio de lancha partindo da Marina da Glória, com mergulho nas Praias Vermelha e da Urca, com direito a espumante a bordo. E músicas escolhidas só por nós, que luxo! O jantar foi no restaurante asiático Spicy Fish, na Maria Quitéria. Fiquei apaixonada pelo Bao: pão chinês cozido no vapor, recheado com porco recheado e shitake cozidos por 9h, levemente adocicado e apimentado. Sem mais palavras sobre a iguaria.

Dia 4. Eis que recebo convite da Alana Copetti, colega e amiga do Antônio, e do Marco Dall Agnese, para subir com o trio o Morro da Urca. Claro que a tia Marta prontamente disse sim, e lá fui eu com a gurizada, lépida e faceira, prestes a completar 60 aninhos. Não sem antes fazer um belo passeio pela Urca com o filhote, incluindo prédios históricos, casas preservadas e passeio pela Mureta da Urca. Lá em cima, o clássico chá-mate gelado com direito a vista deslumbrante. Finalizamos o passeio com descida de bondinho. Tudo inesquecível e em excelente companhia. Voltamos ao Amir para almoçar outras delícias árabes e tomamos cafezinho com pastel de nata na confeitaria Colombo do Forte de Copacabana. Ao cair da noite, caipirinha no Copacabana Palace para matar a saudade, seguida do musical no Teatro do Copa, "A Vedete do Brasil", em cartaz até 28/01/24, em homenagem a Virginia Lane, que alcançou sucesso com a marchinha "Sassaricando", marco do Carnaval de 1952. Interpretações memoráveis de Flávia Monteiro, Suely Franco e Bela Quadros. Foi emoção demais quando entoaram "Barracão de Zinco". Relembrei a interpretação, voz e violão, pelo Plínio Alexandre, meu amado pai. Pós-teatro, jantar regado a suquinho (saquê) e deliciosas comidinhas e conversas com os queridíssimos Fred e Laura, amigos do Tony, no Katz-su, restaurante coreano no Jardim Botânico. Nesse dia espetacular, percorremos nada menos do que 9 km além de 45 andares de escada (subida do morro). Ufa!

DIA 5. No dia da despedida, deixamos o apê, pegamos praia em Ipanema com o Fred, com direito a banho na casa da Laura, seguido de delicioso almoço com minha novel amiga Hildinha no Country Club em Ipanema. Nos conhecemos em recente surf trip no Ceará. Nem ela, nem eu surfamos, mas acompanhamos surfistas e batemos altos e divertidos papos nas praias de Paracuru e Iguape.

Foram cinco dias de Rio para além de mais do mesmo, muitas novidades: parcerias, papos, restôs, lugares. Pós-almoço, hora de ir para o Longboard Paradise Surf Club esperar o Marco, na Praia da Macumba, Recreio dos Bandeirantes. Mas essa é outra história. Até breve!

 

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