CUMPLEAÑOS EM PUNTA DEL ESTE

Marta Leiria

No epílogo de meu mais recente livro solo, Inventário de Fomes Cotidianas, confessei que havia planejado comemorar a entrada nos 60 anos com glamour para amenizar o golpe. Tornou-se verdadeira obsessão maquinar sobre estar "incursa" no famigerado Estatuto da Pessoa Idosa (outrora batizado de Estatuto do Idoso). Claro que não escolhi o destino pensando nisso, mas, coincidência das boas, meu aniversário, em 28 de dezembro, coincide com a data alusiva ao Dia dos Inocentes para os uruguaios. Na origem, a celebração cristã marca o evento bíblico conhecido como "Massacre dos Inocentes". Apesar da história trágica, a data se tornou celebração muito comum em países hispânicos. Resumo da ópera: equivale ao nosso 1º de abril. Lembrete: para além de outras conotações, ser inocente também é ter uma dose extra de boa-fé nas pessoas, na vida, no porvir. Lembro bem de como fiquei feliz com a inauguração do princípio da boa-fé nas relações contratuais, de forma expressa, por ocasião da entrada em vigor do Código Civil de 2002.

Um pequeno parêntese: ao menos para mim, é verdade que o difícil não é escrever, mas sentar para escrever. Então eu hoje celebro com vocês, caros leitores, o fato de conseguir sentar para contar sobre a viagem. Não costumo prometer em vão... comentei com algumas pessoas que estava cogitando escrever sobre esse destino incrível, e a minha querida amiga e colega Solange fez a proposta e eu disse sim. Chega de procrastinar!

A mi me encanta la lengua española, como gosto de hispanohablar! Seja aqui por perto com los hermanos uruguaios e argentinos, no Peru, em praias caribenhas, na Espanha, tá valendo o portunhol! Meus melhores recuerdos de Punta são as viagens de turma com nosso imbatível líder das trilhas de caminhonete, o Chakal - a Letícia sempre conosco. A hospedagem era lá no Hotel Remanso, na Península, junto à Gorlero. Os filhos ainda pequenos aproveitavam demais aquelas aventuras al mare. E os adultos também!

Para celebrar meus sessentinha, queria juntar nosso nem tão pequeno núcleo familiar: o Marco, eu e os três filhotes. Foi muita pesquisa em imobiliárias, Airbnb, Booking. Achei o ideal para os meus sonhos de aniversariante, bem pertinho do saudoso Hotel Remanso: vista espetacular da Praia do Emir, a poucas quadras das Playas Brava e Mansa. Não depender de carro para passear, ir a pé à praia e a restaurantes é a glória. Ao falar com a anfitriã sobre o apartamento situado em rua sossegada junto à Gorlero, a grata surpresa: além de simpaticíssima, a Myriam é brasileira e gaúcha de Pelotas! Não bastasse isso, e já na reserva, me enviou guias elaborados por brasileira que lá reside, contendo dicas providenciais sobre Punta, praias, restaurantes, museus, Montevideu. E a Myriam ainda me presenteou com uma cava espanhola e o salão de festas do prédio com parrillera para a data comemorativa. Inesquecível.

A educação e a elegância dos frequentadores da cidade e dos clubes de praia chama a atenção. Em pleno 1º de janeiro, de manhã cedinho, saí para caminhar e não havia lixo nas ruas. No final da manhã, aproveitei para ler al mare, que sossego na Mansa. As pessoas não são espaçosas, não levam aparelho de som para a praia, que luxo! Só para vocês terem uma ideia, o supermercado Devoto e os ambulantes vendem roupas italianas (ou no estilo italiano) de cores neutras e, de regra, com tecidos de uma cor só, puro linho. Providencial ter levado, para além de bonés, roupas de ginástica e cangas multicoloridas, um chapéu de palha e uma sóbria camisa de linho marfim. Sim, gostei de me sentir local.

Não se pode esquecer de um bom casaco corta-vento, é friozinho por lá no entardecer e à noite. A ventania lembra a do litoral gaúcho. Só que mais intensa. O que é o pôr do sol na Mansa? O que são os jardins impecáveis dos prédios, com seus agapantos, hortênsias e múltiplas vegetações e flores cujos nomes desconheço mas sei muito bem admirar e fotografar? Quase não há grades nos prédios. Quase tudo é caro, mas tudo vale a pena! Adianto: itens de primeira necessidade, como massa, café e água, é bom levar do Brasil. A carne, o dulce de leche, o Clericot, são imbatíveis. Amei as medialunas e as empanadas das "Medialunas Calentitas", na Mansa. E o bufê de frutos do mar, do Artico, na região portuária, é capítulo à parte. Recomendo fortemente o restaurante Fish Market, na Praia Bikini e o Beach Club Muelle 3 na Mansa.

Programa imperdível, com entrada gratuita, é o Museo Ralli, de arte contemporânea latino-americana e europeia, com suas galerias e pátios com esculturas de Salvador Dalí e de outros artistas. Desta vez não fomos, mas outra visita importante nos arredores, em Punta Ballena, é o Museo Casapueblo, com arquitetura única, vista inigualável e ateliê do pintor Carlos Páez Vilaró (1923/2014). Bônus extra da viagem: o Marco levou a prancha e surfou quase todos os dias em Los Dedos, na Brava!

Não vou dar spoiler sobre a forma de pagamento da nossa hospedagem em Punta, mas fiquei especialmente impressionada com a Myriam também em razão desse detalhe digno de nota. A mais pura demonstração do princípio da boa-fé. Já combinamos um café aqui em Porto Alegre, no Sabor de Luna, acompanhado, é claro, de uma das especialidades do restaurante uruguaio: os seus indefectíveis vigilantes, ou, no bom espanhol, as medialunas que agora também podemos encontrar aqui pertinho, na Praia de Xangri-lá.

Até a próxima viagem!

 

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