A loucura em nós

Bruna Tessuto

Quando tem espetáculo, gosto de chegar cedo. Gosto de acompanhar as pessoas entrando, observar, pelo comportamento, quem está visitando o teatro pela primeira vez. Ontem, porém, não foi assim. Cheguei quando faltavam sete minutos para o início de "Elogio da Loucura", com Leona Cavalli. Cumprimentei correndo os funcionários que estavam na entrada do Theatro São Pedro e me sentei na plateia. "Ufa, deu tempo!"

Trazendo a Loucura protagonista e, por isso, digna aqui de ser escrita com letra maiúscula, Leona não surgiu do palco, mas da própria plateia. Afinal, a loucura está no meio de todos nós. De imediato, pensei em como é visível quando uma atriz é cria do teatro. Não digo com isso que atores somente de televisão ou cinema sejam inferiores. Não são mesmo. Mas digo que o ator que tem berço no teatro tem uma potência no palco que os demais geralmente não têm - ou custam mais para adquirir. A gente percebe na hora quem iniciou pelas tábuas e quem não. Tá no corpo. Nos movimentos. Na voz. No olho.

Junto com a atuação forte de Leona, é impossível não destacar o texto de Erasmo de Rotterdam. Como pode uma obra de centenas e centenas de anos conversar com a realidade de 2024? Em diversos momentos do espetáculo, tentei lembrar se eu tinha um papel na bolsa para anotar o que estava sendo dito no palco. Não tinha. Mesmo com medo de Leona me olhar e achar que eu estava no WhatsApp, já que eu estava sentada na segunda fileira, não resisti e peguei o celular para registrar algumas frases. "Só o tempero da loucura prolonga a juventude" foi uma delas. Eu sei que é quase um pecado pegar o celular com uma cena acontecendo diante de nós. Mas foi necessário. E juro que a tela estava totalmente sem brilho.

"Qual foi tua maior loucura?", em determinado momento a Loucura questionou a plateia. Mesmo sem verbalizar, comecei a pensar nas minhas. Ter escrito um livro contando o pior episódio da minha vida? Ter amado uma pessoa que só me rejeitava durante 5 infinitos anos? Ter chamado uma professora da UFRGS dos piores palavrões possíveis, mesmo que ela merecesse? Isso sem falar naquelas loucuras que a gente nem cogita mencionar. Ou até mesmo lembrar.

Com muita sinceridade, conto que a única coisa que me incomodou no espetáculo foi o microfone. E isso porque era evidente que estava atrapalhando a atriz, visto que ela precisou mexer nele em vários momentos. Em outros, ele deu uma falhada. Em geral, tenho vontade de arrancar o microfone de qualquer ator, ainda mais em um teatro com acústica perfeita. Ali, acho que entendi o uso por conter música ao vivo. Talvez, sem o microfone, a voz e a música ficassem em volumes muito diferentes. Ainda assim, a vontade de arrancar me coçou.

Com Marcelo Drummond sentado em uma plateia especial no palco, Leona Cavalli foi ovacionada ao fim do espetáculo. Mencionou para o público que iniciou a carreira no DAD (Departamento de Arte Dramática da UFRGS) e que muito sonhou com a carreira de atriz ali no Theatro São Pedro. Eu também, Leona. Exatamente assim.

Agora, enquanto posto minha reflexão aqui no site e nas redes, está acontecendo a última sessão em Porto Alegre. O lado bom é que a temporada sempre vai acabar, mas alguns trabalhos seguem vibrando na gente.

 

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